António Sá é um dos fotógrafos com quem a AEPGA trabalha, tendo já colaborado com a Associação em outros projectos, nomeadamente na área da formação em fotografia.

O fotógrafo e a sua família, trocaram um apartamento à beira-mar, em Espinho, por uma casa com vista para a floresta, em Lagomar, Bragança. Esta transição feita em 2010, revelou-se mais do que uma mudança de cenário. Foi, acima de tudo, uma mudança de estilo de vida, para algo mais livre, mais sustentável e em maior comunhão com a natureza.

Nesta entrevista intimista, quisemos saber como António Sá vê a Campanha de Apadrinhamento, "11 Burros, 11 Destinos"

Entrevista

Como fotógrafo com um longo e variado percurso profissional, como foi este desafio de fotografar os burros?
Foi uma experiência interessante, mas difícil. Costumo dizer, em jeito de brincadeira, que sou uma espécie de canivete suíço da fotografia. Estou habituado a fotografar em muitos registos porque ao longo da minha carreira tive que me habituar a isso. Desde a fotografia industrial, à de paisagem. Por isso, não posso dizer que a ideia de fazer as fotografias da campanha me tenha assustado.
Só no decurso do próprio trabalho é que começaram a aparecer questões difíceis de contornar. Para além da escolha da melhor hora para conseguir a luz ideal, foi preciso ter em consideração a morfologia dos burros. As dimensões do burro têm que ficar naturais e, para que isso aconteça, é preciso escolher bem a distância do fotógrafo em relação ao animal (tem que ser sempre a mesma para os 11 burros) e as objectivas a usar (não podia utilizar grandes angulares, nem teleobjetivas, por exemplo).
Havia uma série de sítios identificados como relevantes, tanto em termos monumentais, como de paisagem. E, em cada sítio, às vezes num espaço muito pequeno, era preciso manter a mesma distância em relação ao animal, assim como a objectiva na mesma distância focal. Para além disso, quando se tratavam de monumentos, tinha que ter o cuidado de integrar bem todos esses elementos por detrás do burro, sem que houvesse intersecções de composição (por exemplo, a cabeça do burro não podia ter por trás uma porta que também é escura, porque isso causa uma fusão de dois planos na mesma cor e não se percebe bem a morfologia do animal). O burro tinha que ficar em contraste com o fundo e isso não é fácil porque estes animais estão sempre a mexer-se. Não queríamos que eles estivessem presos, usassem rédea ou a cabeçada, mas sim que estivessem naturais. O problema é que, às vezes, assim que eram posicionados, aguentavam escassos segundos na mesma posição. Ou seja, o período útil que tinha para fotografar era muito curto.
Claro que o comportamento dos animais tem a ver com a personalidade de cada um. Houve alguns que tornaram o trabalho fácil, por serem mais calmos e ficarem mais tempo quietos, e outros mais difícil, por serem mais hiperativos.
Tudo isto era agravado pelas curtas janelas temporais ditadas pelo sol. Posso dizer que houve alturas em que conseguimos a fotografia certa mesmo no limite do tempo.


Destacas algum momento que te tenha marcado de alguma forma nesta experiência?
Fotografar a Dália foi um grande desafio. É uma burra muito simpática, mas nunca parava quieta. Neste caso, tínhamos um espaço muito curto para fotografar. Estávamos junto a uma capela e precisávamos de apanhar a fachada do alçado, mas ela tinha que ficar em recorte com a fachada. E tinha que ficar com as orelhas para cima e quieta. Mas isso não acontecia. Ela andava para a frente e para trás, sempre a mexer. Tentámos tirar a cabeçada e a rédea o mais rapidamente possível para que eu pudesse fotografar antes de ela se mexer novamente. Mas nunca ficava bem. Até que tive a ideia de pedir ao Emanuel que a posicionasse e se escondesse por detrás de um penedo que havia lá perto para eu ter tempo de disparar várias fotos por segundo, na esperança de se aproveitar alguma. E até parecia que tinha corrido bem. Até eu olhar para a fotografia e descobrir que, apesar de a Dália ter ficado muito bem, a t-shirt do Emanuel estava a sair da rocha. Ainda nos rimos muito com isto.


Quem mais estava contigo na produção das fotografias?
Éramos cinco. Eu a fotografar, a Cláudia a avaliar as fotos para garantir que eram fiéis à morfologia do corpo do burro, o Emanuel que manuseava os burros, e as veterinárias Belén e a Zélia, a garantirem o bem-estar de todos os animais.


Para além dos 11 Burros, vocês chegaram a levar uma cria, não foi?
Sim, porque a Cuca estava a amamentar e entendeu-se que a cria devia acompanhar a mãe para não causar stress a nenhuma delas.


Como habitante no Nordeste Transmontano, como vês o objectivo desta Campanha de atrair um turismo sustentável para este território?
Vejo muito bem, porque aqui temos a vantagem de o território estar relativamente preservado. Desde o ano passado, verifica-se um incremento grande de turistas portugueses nesta região porque as pessoas, não podendo viajar para fora do país, procuram territórios de baixa densidade cá dentro. Aqui, no Nordeste Transmontano, nunca tivemos tanta gente como no verão passado. Mas precisamos que o turismo ande de mãos dadas com a sustentabilidade, porque temos vários exemplos de más práticas em todo o país. Talvez o Algarve seja o expoente máximo disso. O que levou ao aumento de turismo nessa região foi a beleza natural costeira, mas agora disso já sobra muito pouco. Não haver uma sobrecarga do território e pensar muito bem no tipo de alojamento que se coaduna com o tipo de turismo que queremos é essencial.


Achas que este tipo de campanha fomenta esse tipo de turismo sustentável, não massificado?
Acho que sim. Primeiro, há um desconhecimento enorme da generalidade dos portugueses em relação ao interior do país. E há preconceito. Os portugueses não conhecem e, mesmo não conhecendo, têm preconceito. Aliás, eu acho que o preconceito advém do desconhecimento. É uma relação causa/efeito.
Com este projecto, procura-se dar a conhecer o território aos visitantes. Os burros foram fotografados em territórios emblemáticos do Planalto Mirandês. Património edificado, como é o caso do Castelo de Algoso e de algumas capelas, símbolos da região. Mas também as arribas do Douro, os lameiros, as galerias ripícolas e todo esse tipo de paisagens emblemáticas do Planalto Mirandês, são uma forma de dar a conhecer a diversidade ou a especificidade paisagística da região. São paisagens que não existem noutros sítios. Quando eu fazia os passeios fotográficos nesta região, recebia muitas pessoas que vinham para o Douro Internacional e ficavam admiradas por não encontrarem uma paisagem típica do Douro Vinhateiro. Quando chegavam aqui ficavam espantados porque não tinha nada a ver com a imagem que eles tinham na cabeça. Isso mostra bem a importância de dar a conhecer e de enquadrar os visitantes com este tipo de paisagem.


Na tua opinião, quais são as mais-valias do Planalto Mirandês?
Esta é uma região onde ainda é muito evidente uma simbiose entre as actividades humanas e o património natural. É muito fácil estabelecer essa relação com a própria paisagem. É o caso dos lameiros, por exemplo, que são construídos pelo homem para servirem de alimento ao gado, mas são também fundamentais para os veados e corços da região que nele encontram alimento, assim como encontram refúgio nos carvalhais que os cercam. É uma região pouco explorada pelo turismo, rica em termos culturais, paisagísticos e gastronómicos.
 

Biografia

António Sá é fotógrafo freelance desde 1995. Publicou centenas de reportagens na imprensa nacional e estrangeira, resultado das suas viagens um pouco por todo o mundo.
Colaborou também em projetos promocionais com o Turismo de Portugal, Nokia, Fnac e Epson.

Como instrutor, tem lecionado workshops de fotografia em Portugal e Espanha e conduzido passeios fotográficos em áreas naturais, tendo colaborado com a Fundação de Serralves e sido pioneiro das viagens fotográficas Nomad.

Projetos de maior fôlego incluem a participação num documentário para o National Geographic Channel, levantamentos fotográficos para a fundação luso-espanhola Rei Afonso Henriques e para diferentes comunidades intermunicipais.

Desde 2010 vive com a família numa pequena aldeia do Parque Natural de Montesinho, que também serve de base aos seus Bétula Studios e Bétula Tours.

Conheça mais sobre o seu trabalho em:
https://www.antoniosa.com